Uma tomada de posição feminista e antirracista na Análise de Discurso

Publicado: março 10, 2015 por marijafetcestari em Análise do Discurso, Feminismo, Gênero, Mulheres em Discurso
Foto do acervo do grupo ParÁFRICA

Foto do acervo do grupo ParÁFRICA

Não admitimos as equivocadas análises que fazem de circunstâncias que nos são impostas, tampouco aceitamos limitadas definições do que sejam as mulheres negras. Somente nós mesmas podemos nos definir. Somos as fontes mais genuínas de conhecimento sobre nós; exigimos que estudos que nos tomem por temática tenham como centralidade nossos pontos de vista de mulheres negras.

(Petronilha SILVA, 1998)

Escrevo este post depois da leitura e da troca de comentários sobre um outro, da colega do grupo de pesquisa Mulheres em Discurso-CNPq e amiga Glória, em seu blog Ces mots que voyagent. Pra mim, ser instigada a um debate aberto e público sobre temas que tocam a prática de produção de conhecimento já é para se comemorar em tempos de meritocracia e produtivismo. E sinto que essas trocas contribuem imensamente para minha formulação teórica e tomada de posição política no trabalho acadêmico.

O tema de fundo é a práxis na Análise de Discurso (AD) cujo principal autor é Michel Pêcheux, quem pautou juntamente com o grupo em que atuou a relação entre teoria e prática política. O debate focaliza uma posição na AD que dialoga com outras propostas epistemológicas, em especial as que se autodenominam feministas. Ou talvez fosse melhor dizer de analistas de discurso que se veem interpeladas pelos discursos feministas em suas análises do discurso do gênero (conforme nomeou Glória), ou dos discursos classistas e racializados de gênero e discursos feministas (como os tenho chamado). E, então, voltam-se reflexivamente para a AD e para sua própria constituição subjetiva. Indagando o potencial transformador desta reflexividade que se instaura, retomo a pergunta de Pêcheux (1983) sobre a política da AD, deslocada explicitamente: podemos (re)definir uma política da AD a partir de nossa tomada de posição feminista? 

Dentre as propostas epistemológicas feministas, abordarei brevemente aquelas reunidas como “teorias do ponto de vista”, que tem como uma de suas expoentes a filósofa estadunidense Sandra Harding. Mas se o faço é para de alguma forma inscrever mais amplamente o debate travado por intelectuais negras brasileiras que me tocou no percurso da minha tese sobre o discurso do movimento de mulheres negras no Brasil. Como pode se ler em epígrafe de Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, há uma exigência de mulheres negras de que se tenha como centralidade seus pontos de vista quando se constrói conhecimento sobre elas. Retomando Nilma Gomes (2012, p.20), xs pesquisadorxs negrxs têm como objetivo em suas pesquisas “dar visibilidade a subjetividades, desigualdades, silenciamentos e omissões em relação a determinados grupos sociorraciais e suas vivências”.

Uma reivindicação que amalgama a discussão dos efeitos da exclusão das experiências e pontos de vista de grupos sociais na academia, à divisão desigual do direito de enunciar neste âmbito de produção e legitimação de discursos, à pretensão de falar pelo outro na produção acadêmica e às epistemes dominantes na Universidade. Mais do que isso, leva ao centro da produção teórica questões sobre a produção de conhecimento no campo das humanidades e o comprometimento político com seu objeto/sujeito, explicite-se ou não a posição a partir da qual se enuncia, as redes de filiações teóricas e epistemológicas, o projeto empreendido e o percurso metodológico. Nesta perspectiva, uma postura reflexiva na produção do conhecimento envolve uma tomada de posição diante do embate entre o político e o teórico, entendendo que prática política e prática teórica se relacionam, mas não se equivalem.

Antes de seguir, um destaque: o ponto de vista de mulheres negras não significa necessariamente uma filiação (ao menos explícita) às teorias perspectivistas ou do ponto de vista, portanto não pretendo limitar a produção das mulheres negras intelectuais a uma teoria ou à perspectiva feminista negra. O que faço é reconhecer uma luta por um lugar de enunciação muitas vezes nomeado como ponto de vista das mulheres negras, entendendo-o de diferentes modos: como programa político de um grupo social organizado, como conjunto de orientações teórico-metodológicas de pesquisadoras posicionadas politicamente na produção do conhecimento, como lugar de enunciação comportando a inscrição de diferentes posições sujeito, como palanque enunciativo.

Pergunto-me, então, pelos sentidos deste ponto de vista, relacionando-o com minha posição e a da AD na produção de conhecimento.

Penso os processos de subjetivação e tomada de posição que conformam o ponto de vista das mulheres negras ou ponto de vista feminista negro pela descrição-interpretação da reflexividade na enunciação que nomeia e interpreta a experiência do ser mulher negra, significando o sujeito em novos movimentos de sentido. (Esta última afirmação faço inspirada no comentário de Lauro Baldini ao post de Glória). Nesse percurso, apresentarei de forma ligeira ponto de vista como proposta teórico-metodológica feminista e defenderei uma tomada de posição feminista e antirracista na AD.

Feminismo negro e teoria do ponto de vista

Nos Estados Unidos, o feminismo negro pode ser interpretado como uma das principais expressões da teoria do ponto de vista (standpoint theory), ou ainda uma antecipação a esta teoria, pela defesa de uma perspectiva feminista que prescinde de uma identidade comum a todas as mulheres, conforme afirma Luiza Bairros (1995, p.461), em um texto de referência para os estudos feministas no Brasil. De forma muito sintética, trata-se de uma teoria que pressupõe que todas as experiências de opressão sexista são dadas pela posição que ocupamos numa matriz de dominação na qual raça, gênero e classe social se interceptam, sendo que esta experiência particular proporciona um ponto de vista diferente sobre o que é ser mulher numa sociedade desigual – racista, sexista, dividida em classes, hetenormativa, cisgênera… O conhecimento científico deveria, então, partir de localizações sociais objetivas, deveria ser um conhecimento situado. Os pontos de vista são lentes para analisar criticamente e transformar as relações sociais – e aqui é reposta a questão sobre os vínculos entre teoria e prática política.

No texto que mencionei de Luiza Bairros (1995, p. 461-462), o trabalho da afro-americana Patricia Hil Collins (1991) é referido. A autora desvendou uma tradição feminista entre mulheres negras baseada no pensamento daquelas que desafiaram ideias hegemônicas da elite masculina branca e com isso caracterizou o ponto de vista feminista negro em torno de cinco temas: “1) o legado de uma historia de luta, 2) a natureza interligada de raça, gênero e classe, 3) o combate aos estereótipos ou imagens de controle, 4) a atuação como mães, professoras e líderes comunitárias, 5) e a política sexual”. Claudia Pons Cardoso (2012, p.329-330), em um trabalho minucioso de escuta por entrevistas de lideranças do movimento de mulheres negras, em sua tese de doutorado Outras falas: feminismos na perspectiva de mulheres negras brasileiras, sistematiza as dimensões constitutivas de um feminismo negro no Brasil. De sua sistematização, destaco “uma visão de mundo negro-africana como modelo para reorganização das relações sociais”; “a afirmação dos referenciais elaborados pelas próprias mulheres para balizarem suas experiências e o enfrentamento ao status quo”; “uma proposta epistemológica de descolonização do conhecimento”; “um ponto de vista construído a partir de um lugar situado nas margens da sociedade que se constitui em um lugar de resistência e protagonismo”.

Reflexividade

De acordo com Elsa Dorlin (2008), o feminismo negro criou um eletrochoque no pensamento feminista ao longo de toda década de 1980. Assim, o movimento reflexivo sobre o que parecia evidente no nós de nós mulheres foi feito por um grupo de intelectuais brancas que, mais do que isso, buscou se descentrar de sua posição dominante antes entendida como “neutra”, elucidando a posição a partir da qual falava, em nome de quem falava e quais eram seus silêncios. No entanto, não basta – defende a autora com quem eu concordo – dizer de onde se fala, pois isso seria confundir nossas diferenças com nossas “posições de poder”. A questão não seria de elucidação de um lugar de dizer privilegiado (pela classe, gênero, raça, orientação sexual, religião, idade, etc.), mas a necessária reflexividade sobre os próprios valores, ferramentas políticas e cognitivas (por exemplo, a relação entre sujeito e objeto de conhecimento ou de discurso ou ainda a hierarquização de tipos de discurso).

Sou impelida a uma postura reflexiva sobre o lugar a partir do qual enuncio como mulher acadêmica branca jovem de classe média, a partir do meu percurso acadêmico, de militância no feminismo, em organizações de esquerda e no movimento popular, da minha inserção em uma comunidade de jongo e iniciada no candomblé, da construção conflituosa de minha identidade étnico-racial e a responsabilidade recebida/assumida com minha ancestralidade negra – e de quantas outras experiências, desejos e dúvidas? O faço desde um lugar que forjo coletivamente na Análise de Discurso, e que tem suas ancoragens institucionais em um em um grupo de pesquisa reconhecido pelo CNPq e em um programa de doutorado em Linguística nota 7 na CAPES, que legitimam minha posição, ao mesmo tempo em que “moldam” a relação que estabeleço com saberes de outros campos, com outros discursos, acadêmicos ou não.

Desafios à Análise de Discurso

Pergunto-me sobre o que aportam essas lentes para novas visões do social (e do discursivo em particular) e para as práticas políticas de transformação social; se e como – com quais parâmetros – estabelecer uma relação com uma perspectiva feminista negra na prática de pesquisa, incluindo os pressupostos teóricos. Ao me aproximar da epistemologia feminista negra, que confronta a divisão social da enunciação – de quem pode dizer, onde e sobre o que ou quem, bem como o efeito do dizer e do dito, sua legitimidade, eficácia, circulação – tendo muitas vezes como alvo o feminismo hegemônico, tradicional, branco, mas que atinge, ressoa nos ouvidos de outros interlocutores, sou interpelada a tomar posição diante das práticas de produção de conhecimento. A indissociabilidade entre teoria e prática no pensamento feminista negro e as iniciativas de organização da intelectualidade negra como uma forma de militância também desafiam quem se propuser às pesquisas que abarquem as relações raciais a posicionar seu trabalho diante das demandas da população negra e dos movimentos sociais negros.

Os desafios epistemológicos impostos à Análise de Discurso pela complexidade do sujeito mulheres negras, que reivindica sua voz e visibilidade próprias, que não quer ser (não é) somente objeto do qual se fala sobre, mas sujeito da produção de conhecimento e sujeito político são muitos e levaram-me mais a perguntas do que a respostas bem acabadas. Questões relacionadas diretamente a minha tese, que acredito profícuas para a Análise de Discurso e que penso só poderem ser encaradas em uma relação contributiva com os estudos feministas negros:

1) qual a posição da Análise de Discurso em sua relação com outros gestos de leitura, especificamente dos discursos comumente caracterizados como políticos que entre seus funcionamentos comportam a reivindicação de um lugar de dizer próprio?

2) como constituir o corpus, considerando as práticas discursivas em uma encruzilhada de memórias de sentidos e de materialidades da linguagem, rompendo com critérios prévios que determinam o que são as práticas políticas, dicotomizam e hierarquizam oralidade e escrita, verbal e não-verbal, teoria e prática?

3) como construir um posicionamento diante das questões formuladas pelo feminismo negro no que diz respeito aos processos de constituição subjetiva dx analista do discurso e suas tomadas de posição na construção e análise de seu objeto?

4) como pensar o processo de constituição do sujeito no/do discurso em uma sociedade com desigualdades sociais, raciais, de gênero,  histórico de expropriação colonial e séculos de escravidão?

5) Qual o projeto da Análise de Discurso diante dos discursos classistas e racializados de gênero?

Relacionando o debate da AD com as teorias feministas do ponto de vista, portanto, defendo expor à(o) leitor(a) a localização social do processo de pesquisa na produção do conhecimento e da análise na divisão social do trabalho da leitura – lembrando do artigo Ler o arquivo hoje, de Pêcheux (1982) – e de que toda formação social tem seus modos de administração, hierarquização, controle da interpretação. Este gesto situa a posição da(o) pesquisador(a) em uma sociedade dividida em classes, racista, machista, heteronormativa…– e os movimentos da tessitura do texto, acreditando desse modo contribuir para situar interesses, dilemas, problemas e questões, mesmo diante dos limites destas escolhas, que escapam aos sujeitos. Uma posição que busca considerar o descentramento do sujeito, sem eximir a/o analista da política.

Esta adesão parcial às teorias do ponto de vista pretende significar o reconhecimento dos processos complexos de interpelação em uma formação social com desigualdades sociais, raciais, de gênero, histórico de expropriação colonial e séculos de escravidão que constituem sujeitos e sentidos em luta, uma luta que atravessa as práticas teóricas. Com o objetivo do deslocamento do lugar da evidência de sentidos, as análises dos discursos classistas racializados de gênero – nomeação que já é tomada de posição – convidam aos diálogos com os estudos sobre relações raciais e relações de gênero, e com as lutas dos movimentos negros e feministas, como já assinalei.

Uma posição na Análise de Discurso

As questões anunciadas tocam em temas fundamentais para a AD, como a construção de seu objeto teórico, de seu projeto de leitura – a subjetividade dx analista e a interpretação, a relação que propõe entre teoria e prática –, a forma como constitui o corpus, suas concepções de sujeito e memória. Rascunho apontamentos para estas questões a seguir:

Projeto de leitura, uma provocação

(retomo, e até reproduzo, parte destas reflexões do artigo Análise de Discurso e Militância Política em coautoria com Luciana Nogueira)

A AD na vertente em que trabalho surgiu na França, na conjuntura intelectual dos anos 1960, e em sua primeira época constituiu-se como lugar de debate teórico sobre a leitura, com o intuito de construir um dispositivo científico que produzisse leituras não subjetivas. A proposta era de transformação da prática teórica nas ciências humanas, defendida por um grupo de pesquisadores militantes ou próximos do Partido Comunista Francês à época, confrontando o discurso positivista em uma proposta de luta teórica contra a ideologia dominante na prática científica. Os debates fundantes acerca da leitura e das relações entre prática teórica e prática política nos princípios da Análise de Discurso na França e nos desenvolvimentos da Análise de Discurso no Brasil não cessam de produzir efeitos.

Se em sua fundação a AD privilegiava o discurso político, notadamente o comunista, e os corpora escritos em leituras depois vistas pejorativamente por alguns como militantes, seu deslocamento não deveria significar a negação do caráter militante do seu programa de trabalho, do seu papel de abertura para leituras do não-realizado que possibilitem um vir-a-ser de uma outra ordem do mundo, uma transformação histórica, contra os discursos do fim da história e da naturalização conformista dos sentidos dominantes.

Eni Orlandi (2012, p.14), ao tratar deste cenário político e teórico, retoma a questão, a partir de Pêcheux et alii (1982), dizendo do deslocamento de uma posição que se pensa uma prótese de leitura para outra que se quer provocação à leitura. A provocação à leitura consistiria em montagens de corpora que possibilitem gestos de interpretação nos quais a categoria da contradição seja central para compreender a luta ideológica de classes ou ainda as “lutas de deslocamento ideológicas”, expressão de Michel Pêcheux ([1982] 2011, p.114-115) que “poderia descrever os tipos de choque de deslocamentos, que não colocam em oposições classes, ‘interesses’, ou determinadas posições prévias, mas que tratem da reprodução/transformação das relações de classe”.

Localizo os discursos antirracistas e feministas nestas lutas de deslocamento ideológicas, em que há o engajamento do sujeito na luta pelos sentidos para significar sua experiência, para se significar. Tenho pensado nestes discursos como potenciais discursos de resistência que se constituem e são constituídos por sujeitos em seus deslocamentos contingentes sob e contra a dominação ideológica, conformando lugares de enunciação (categoria trabalhada por Mónica Zoppi Fontana, 2002). Nesse ponto contribui a proposta de Rodrigo Fonseca (2013), quem em busca de uma noção discursiva da práxis mobiliza o que Jacques Rancière (1996, p.47) denomina modos de subjetivação: “produção, por uma série de atos, de uma instância e de uma capacidade de enunciação que não eram identificáveis num campo de experiência”. O autor chama estes modos de subjetivação de palanques enunciativos com o objetivo de ressaltar o trabalho dos sujeitos para se fazerem audíveis e visíveis, como uma reação aos efeitos de dominação em meio às relações de força sem, no entanto, repor o sujeito consciente de suas ações, em um debate sobre ideologia e assujeitamento em Althusser.

Tomada de posição como luta pelo sentido (também na/da AD)

Na provocação à leitura, a explicitação dx analista de discurso como sujeito-leitor, assumindo efeitos de identificação, é um gesto de responsabilidade diante de interpretações sem margem (PÊCHEUX, [1983] 2008). Como afirma Eni Orlandi ([1999], 2005, p.59), sendo todo enunciado suscetível de ser/tornar-se outro, “esse lugar do outro enunciado é o lugar da interpretação, manifestação do inconsciente e da ideologia na produção dos sentidos e na constituição dos sujeitos”. A autora defende que a interpretação é parte do objeto e então x analista deve descrever o gesto de interpretação do sujeito que constitui o sentido submetido à análise, ao mesmo tempo em que deve considerar que não há descrição sem interpretação, estando x analista envolvido com a interpretação. Por isso deve recorrer a uma mediação teórica que x desloque em sua relação de sujeito com a interpretação, sem que, no entanto, isso signifique sua inscrição fora da história, do simbólico ou da ideologia. Para a autora, o processo intermitente de descrição e interpretação constitui a compreensão dx analista.

No entanto, para a análise que não se esquiva da política, o levantamento dos gestos de interpretação sob a evidência é um dos aspectos do trabalho de leitura. O movimento de descrição do real da língua como uma série de pontos de deriva possível que dão lugar à interpretação dos sentidos em luta também pode ser a chance da tomada de posição na luta que considera a práxis dos sujeitos sobre a ordem do dizível, os processos de subjetivação que podem agitar filiações de sentidos.

Uma tomada de posição possível na análise dos efeitos de sentido é escutar os discursos de resistência à dominação ideológica, não para dizer por quem resiste, mas para uma prática de leitura crítica da ideologia que forje posições nos processos pedagógicos – considerando que grande parte dxs analistas são professorxs – na luta teórica na produção acadêmica, nas ações de articulação, polêmica e solidariedade ativa com as práticas políticas de resistência (nos sindicatos, partidos, projetos de extensão universitária, movimentos sociais e outras formas organizativas e ações coletivas), buscando ultrapassar as muralhas fortificadas da universidade.

No meu caso, esta tomada de posição se dá pelo reconhecimento dos efeitos de identificação com posições dos feminismos e do movimento negro, em considerar os debates teóricos e epistemológicos que propõem para conformar um projeto de Análise de Discurso assentado em uma racionalidade que não dissocie corporeidade, musicalidade, narrativas, formas comunitárias de aprender, culturas negras, discurso político, considerando que “nem sempre os instrumentais metodológicos e as tradicionais categorias de análise construídas sob a égide da lógica da racionalidade ocidental moderna dão conta de interpretar a complexidade de expressões e vivências afro-brasileiras”, como afirma Nilma Gomes (2012, p.510).

Nesta perspectiva, suponho que minha tomada de posição ganhe força política na luta teórica quando integra um projeto coletivo ou uma agenda para a AD e quando eu saio da AD para encontrar intelectuais negras/os ou de outros pertencimentos étnico-raciais que debatam a produção teórica sobre a questão racial (um exemplo atual de articulação interna à ciência no Brasil é a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN). Para mim, uma tomada de posição ainda recente e mesmo em processo que me põe no caminho de passos que veem de longe, redirecionando meu projeto de doutorado e o modo como compreendo e procuro praticar o trabalho acadêmico.

Desejo vida longa a feministas antirracistas atuantes na Análise de Discurso!

Referências bibliográficas

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GOMES, Nilma Lino. Intelectuais negros e produção do conhecimento: algumas reflexões sobre a realidade brasileira. In: SOUSA, Boaventura de Souza Santos; MENESES, Maria Paula (orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, p.492-516.

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PECHEUX, Michel. (1982) Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, E.P. (org.) [et al] Gestos de Leitura – Da história no discurso. Tradução: Bethania S.C. Mariani [et al] 2ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,1997. pp55-66

__________.  (1983) O discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni Orlandi. Campinas: Pontes Editores, 2008.

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. “Chegou a hora de darmos a luz a nós mesmas”: Situando-nos enquanto mulheres e negras. Cad. CEDES [online]. 1998, vol.19, n.45, pp. 7-23. ISSN 0101-3262.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32621998000200002.

WERNECK, Jurema, “Nossos passos vêm de longe! Movimento de mulheres negras e estratégias políticas contra o sexismo e o racismo, Revista da ABPN, 2010, v. 1, n. 1, p. 7-17.

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comentários
  1. Mari Cestari, gostei muito de como vc usa “ponto de vista” como uma proposta teórico-metodológica feminista e antiracista como fio condutor de teu trabalho. Eu não conhecia este conceito e ele me parece muito ético e “delicado” quando temos como sujeitos de nossas pesquisas mulheres que ocupam lugares de enunciação que nós não ocupamos, que têm experiências particulares que nós não experimentamos, mas que de alguma maneira suas práticas e seus discursos nos “afectam” e como vc disse, nos interpelam abrindo novas perspectivas de “sermos”, “dizermos”, “praticarmos”, “sentirmos” e “teorizarmos”! Tem uma autora que gosto muito, talvez vc já até conheça que é a Susan Sontag. Ela é feminista e tem alguns trabalhos interessantes sobre fotografia. De alguma maneira tem a ver com esta ideia de ponto de vista e perspectivia. De como, ao “tirarmos uma foto”, ocupamos uma posição que, embora não seja a mesma daquelxs que fotografamos tem uma perspectiva e um “enquadramento”. A forma como fazemos este enquadramento penso, pode sim “centralizar os pontos de vistas” daqueles que “fotografamos-olhamos-interpretamos-dialogamos”; inclusive, há momentos em que somos capturadxs e enquadradxs por Outrxs em fotografias em que estamos posicionadxs junto destes sujeitos que antes só eram sujeitos de nosso olhar! Fica a dica do livro da Sontag: “Diante da dor dos Outros”. Beijo e obrigada por compartilhar tuas reflexões.

  2. […] foi da Mariana Cestari, que  publicou em nosso blog coletivo, Mulheres em Discurso, o texto “Uma tomada de posição feminista e antiracista na Análise de Discurso”.  Há também trocas que se efetuaram no âmbito de mensagens privadas. Foram diversas questões […]

  3. […] Brésil. Elle a publié sur notre carnet collectif, Mulheres em discurso, le billet “Uma tomada de posição feminista e antiracista em Análise de discurso” (“Une prise de position féministe et antiraciste en Analyse du discours”). En outre, […]

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